14 dezembro, 2009

Educação e consciência sóciopolítica dos assentados do MST

Elias Canuto Brandão
Doutor em Sociologia; Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas e Gestão Educacional (GEPPGE-UEM); Coordenador do Coletivo de Estudos e Educação em Direitos Humanos de Maringá/PR (CEEDH).
OBSERVAÇÃO:
Estudo apresentado na VI Semana de Educação na Universidade Estadual de Maringá – Campus de Cianorte/PR, realizada de 06 a 10 de novembro de 2000. Foi publicado nos Anais, pág. 179 a 183, ISSN nº 1518-6180

A pesquisa de campo aqui apresentada foi desenvolvida no Assentamento Pontal do Tigre, município de Querência do Norte/PR, nos anos de 1999 e 2000, para a conclusão do Mestrado em Educação, com o título: “Educação e consciência: a formação da consciência sociopolítica dos trabalhadores rurais assentados” do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na pesquisa discutimos alguns pontos peculiares que foram revelados durante a realização das entrevistas.
A pesquisa teve por objetivo compreender se acontece formação e socialização do conhecimento sociopolítico entre os assentados e verificar se os assentados têm consciência política da organização e do Movimento Sem Terra.
A área do assentamento pesquisado tem 10.800 hectares e pertenceu ao Grupo Atalla[1]. Hoje encontram-se assentadas na área entre 326 e 336 famílias, conhecidas como provenientes dos grupos vindos dos municípios de Amaporã, Reserva, Castro, Capanema, ADECOM – Associação de Desenvolvimento Comunitário de Querência do Norte – e Tibagi, ou seja, procedentes das regiões noroeste, centro, oeste e sudoeste do Estado do Paraná, atualmente organizadas internamente em 34 núcleos familiares.
A longa distância geográfica entre Universidade, pesquisador e assentamento, possibilitou realização de oito viagens de até três dias cada. Para a realização da pesquisa utilizamos num primeiro momento, visitas e distribuição de questionários a todos os assentados. Foram respondidos e devolvidos menos de 50% dos questionários. Num segundo momento realizamos entrevistas gravadas e filmadas. Num terceiro e último momento algumas pessoas do Movimento verificaram junto aos assentados alguns dados incompletos. Atualmente a pesquisa está concluída.
Desenvolvemos os estudos sobre à “formação da consciência sócio-política” dos assentados por entendermos que o meio social onde os trabalhadores vivem pareceu-nos determinante da formação da consciência.
Observamos que o meio onde estão inseridos influenciou e influencia a aquisição e a formação/deformação da consciência. Constatamos que a participação no Movimento contribuiu para que avançassem de um estágio de senso comum e ingênuo para instâncias diferenciadas da consciência, resultado das diferentes atividades e funções exercidas internamente e externamente no Movimento e da representatividade ou responsabilidade de cada assentado durante o tempo em que estiveram acampados.
Constatamos no trabalho de campo que a adesão ao Movimento foi um primeiro passo ao avanço no conhecimento e da consciência pelo fato de estarem acompanhando a vivenciando de perto os problemas, as decisões e os conflitos diretos e indiretos.
Verificamos pela pesquisa que alguns assentados ampliaram mais que outros as formas de consciência.
Constatamos também que não há nem “acontece” trabalhos que possibilitem a formação dos assentados e conseqüentemente a formação da consciência social e política. Nossa hipótese inicial de que todos possuíssem “consciência social e política” foi nocauteada pela pesquisa de campo.
Constatamos que menos de 20% dos assentados “possuem” consciência “social e política”. Observamos que vários fatores contribuem para que os assentados não sejam conscientes social e politicamente, entre eles, a forma de organização interna do assentamento e a condução política administrativa da coordenação do MST na região de Querência do Norte.
Observamos que a “consciência social e política” na minoria dos assentamentos é consequência de um conjunto de acontecimentos sociais, políticos e econômicos internos e externos ao Movimento e pelo que constatamos tende a ser sufocado e substituído pelos interesses pessoais/individuais de cada um em seu lote.
Verificamos que os assentados perceberam que evoluíram no nível de conhecimento, mesmo que minimamente:
[...] A nossa vida [...] é igual uma escada, que a gente pisou no primeiro degrau, que a gente pisou no segundo degrau. Hoje em dia nós estamos em volta do meio da escada [...], a gente já subiu esses quatorze[2] degrau [...], a gente conseguiu aprender várias coisas [...], a gente conseguiu compreender melhor os companheiros não sei se os companheiros conseguiu entender melhor a gente [....][3].
A pesquisa foi fruto do desconhecimento da formação intelectual dos assentados, levando-nos a buscar respostas através de pesquisas de campo e bibliográfica.
Para a realização do trabalho de campo, destacamos duas fundamentais questões: acontece a formação e a socialização do conhecimento sócio-político entre os assentados? Os assentados têm consciência política da organização e do Movimento?
As constatações foram organizadas em quatro capítulos.
No primeiro discutimos a história do Movimento Sem Terra; sua relação com a UDR – União Democrática Ruralista; a violência no campo; o papel da Comissão Pastoral da Terra no surgimento do Movimento Sem Terra e o apoio da sociedade ao Movimento dos Sem Terra.
No segundo realizamos um estudo do mundo dos assentados do Pontal do Tigre a partir da história de vida e procedência dos grupos, passando por ocupações, organização, produção e comercialização. Verificamos as diferenças ideológicas entre eles, assim como a educação, as negociações e os despejos, sem esquecer as prisões, perseguições e o papel e “participação” da mulher no decorrer da organização dos acampamentos, ocupações e assentamento.
No terceiro capítulo desenvolvemos um estudo teórico sobre a consciência ingênua, filosófica; crítica; sócio-política organizativa, ética e pedagógica, discutindo a formação política ideológica e a capacitação como embasamento pessoal teórico-pedagógico, no intuito de realizarmos com maior segurança no quarto capítulo um estudo das constatações realizadas pelos questionários e entrevistas junto aos assentados.
No quarto e último capítulo retomamos a história dos assentados e comentamos nossas observações sobre a formação da consciência social e política. Verificamos que atualmente, no geral do assentamento, não acontece formação e socialização do conhecimento, com raras exceções dos que estão envolvidos em coordenações, formação de jovens e adultos ou trabalhos assistenciais. Neste capítulo estudamos a formação da consciência; as experiências e aprendizagens; as diferenças culturais; o meio social; o sonho pela unidade no assentamento; o individualismo; a educação no assentamento e a consciência política dos assentados sobre a organização e o Movimento Sem Terra.
Para evitarmos constrangimento aos quarenta e quatro assentados e assentadas – trinta e três homens e onze mulheres – que participaram da pesquisa de campo, optamos por universalizarmos o termo “assentado” e citá-los como “assentados” – independente do gênero, etnia e cultura.
Alguns assentados participaram indiretamente assistindo-nos e conduzindo-nos nas visitas aos coordenadores e outros confirmando algumas informações.
Lembramos que na elaboração inicial de nosso projeto em 1998, hipoteticamente alocamos que:
As ocupações, o acampamento, as negociações com o Estado, as assembléias, marchas e todas as atividades que antecede o assentamento definitivo, são formas de aprendizagens que os participantes do MST adquirem, resultando na formação da consciência sócio-política. Penso que tais experiências não são aprendidas na escola convencional e por isso constitui um referencial da vida e de sobrevivência a todos os envolvidos no processo da conquista da terra – no processo da concretização da Reforma Agrária[4].
Constatamos que em parte a hipótese não se distanciou da realidade. No entanto, as formas de aprendizagens atuais que poderiam formar a consciência sócio-política, observamos estar restrita a menos de 20% dos assentados.
Verificamos em nossos estudos que mais de 80% encontram-se em estágios diferenciados de consciência. Observamos assentados que poderíamos catalogar como portadores de consciência crítica; outros portadores de consciência filosófica; outros ainda apenas com consciência política e, assim sucessivamente.
Observamos que pelo fato de as diferentes famílias inserirem-se no Movimento Sem Terra, apesar de muitas delas não se considerarem do MST, a inserção possibilitou participação em discussões políticas antes não vivenciadas, convivências com diferenças culturais e divergências de idéias, “passagem” de uma instância considerada de consciência comum ou ingênua para instâncias diferenciadas.
Constatamos que “talvez” por falta de uma política de incentivo, acompanhamento, assistência técnica, formação e politização dos assentados, mais de 80% deles podem ser manipulados ou dirigidos e revoltarem-se, como já observamos estar acontecendo, contra as lideranças e o Movimento Sem Terra, causando transtornos internos e externos.
Observamos haver entre os assentados o desejo de mudanças no relacionamento para eliminar as diferenças entre eles e entre muitos deles e as lideranças. Constatamos ainda interesse na unidade, apesar da diversidade, entre os diferentes grupos ou núcleos do assentamento e a direção, desde que seja respeitado as diversidades e diferenças internas culturais e políticas, acompanhadas de mudanças na direção do Movimento e na condução política administrativa do assentamento e do Movimento local.
Verificamos que discordam e criticam lideranças por que percebem que algumas atitudes e ações não estão coerentes com os princípios do Movimento a nível.
Observamos defenderem o Movimento Sem Terra e não pessoas lideranças no e do Movimento.
Constatamos que vários assentados, por cobrarem mudanças, sofrem pressões e afastam-se das atividades internas e externas do Movimento e se fecham cada um em seu lote.
Nossa conclusão, diante das diferentes análises dos dados e fatos catalogados durante a pesquisa de campo é de que os assentados, portadores de consciência social e política, que não atingem 20% do total dos assentados, não compreenderam as consequências dos conflitos e divergências internas, acompanhadas da ausência de formação permanente e politização dos assentados como fator importante de sobrevivência do assentamento que já sofre, observamos, consequências das políticas de globalização do sistema capitalista, apêndice das políticas financeiras do Banco Mundial e do FMI.
Observamos finalmente, não terem-se atentado à organização do Mercosul que já começa prejudicar os pequenos agricultores da América Latina, independente da forma como estejam organizados social, econômica e politicamente.
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] Grupo Atalla: Grupo de proprietários da Fazenda 29, conhecida como Pontal do Tigre e da Usina de açúcar e álcool em Porecatu/PR, entre “outras” que desconhecemos.
[2] Quatorze degraus por que a maioria dos assentados do Pontal do Tigre estão a mais ou menos quatorze anos participando do processo de reforma agrária e esta entrevista foi realizada em fevereiro/março de 2000.
[3] Assentado R – Entrevista: 13/02/2000, p. 38 – Manuscrito.
[4] Resumo apresentado no Seminário Científico de Dissertações e Teses na UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba/SP, em 1999.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo seu blog e as matérias que veicula. Se puder, visite o meu blog, poste o seu comentário e indique para os seus contatos. Um 2010 maravilhoso! Meu blog: www.valdecyalves.blogspot.com

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